segunda-feira, 1 de abril de 2013


Parte 2: O Tempo

Tempo 1

Este tempo
é um tempo de homens inteiros,
que de tão inteiros
são cacos,
rotos.
Este tempo
é um tempo de homens sábios,
que de tão sábios
enlouqueceram,
destruíram-se.

Tempo 2

Tempo,
rio no qual vivo,
descendo,
subindo.
Não posso fazê-lo,
                  mudá-lo,
                  encurtá-lo,
                  alongá-lo.
Eu sou o que faço do tempo,
e se do tempo nada faço,
de mim ele faz nada.

Memórias

Não é esta a estrada
por onde passaram meu passado,
                               meus pés,
                               meus cavalos,
                               meus bois,
hoje trilhada por sombras diáfanas?
Hoje o tempo se desenrola,
vira anos
       dias,
       horas,
       minutos,
e são os mesmos passos
(trôpegos talvez),
o mesmo passado,
os mesmos pés,
os mesmos cavalos,
os mesmos bois,
a mesma estradinha.

O tempo se aprofunda
e as sombras crescem,
crescem,
crescem...
e enchem a fazenda,
                a cidade,
                o país, 
                o mundo,
                o universo, enfim.

Maquiagem

Virão outros tempos,
         outros poemas,
         outras histórias,
         outros países,
         outros heróis,
         outros homens,
         outras leis,
         outros livros,
         outros poetas
(e os poetas imortais
se consumirão nos túmulos).
Vindo outros tempos,
seremos outros.
Se não nos transformarmos
nos transformará o tempo.

Sombras

A noite acaba de chegar
(não quero olhar o relógio)
e sob as luzes
os homens se comprimem.
Muitos se envolvem no ar,
movem-se como penas;
outros não suportam tantos planetas.
Daqui não vejo os passos,
as rodas;
só sombras.
Às vezes são mais sombras
do que gente.

Lá fora são sombras,
aqui dentro o relógio é objeto.
Avidez pela passagem rápida do tempo!
Mas ele apenas pinga
lentamente...
infinitamente...
e este líquido já tomou a casa,
                                    a rua,
                                    tudo, enfim.

Viver

Vivemos na memória,
nos sonhos
do que não somos
porque não fomos
porque o tempo nos impediu...
O bloqueio do tempo!
Vivemos de lembrar;
um pé atrás.

Eternidade

Há séculos
essa foto pendurada na parede.
Nessa foto, Deus,
há séculos
que essas pessoas sentadas
ao lado da igreja
são as mesmas,
com caras diferentes.
... bisavós, avós, pais...
que diferença?
Aproximo-me do retrato
e num truque fotográfico
entro nele.
Faço parte do passado,
imobilizado;
do futuro.

Casa da poeira

Esta casa
vem de séculos,
dos meus antepassados;
é a casa da poeira,
a poeira do mundo
que entra
e assenta sobre nós.
Quantas gerações empoeiradas!

Relógio

Se o homem não vivesse
sob o peso do relógio!
Sono com relógio,
feijão com relógio,
água com relógio.
Preso entre os ponteiros,
          entre os pêndulos,
          entre os números
dos relógios digitais.
O homem mede o tempo,
o tempo divide o homem.

Ontem:
horas,
minutos,
segundos.
Hoje:
décimos,
centésimos,
milésimos de segundo.
Amanhã,
isto: ?

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